Dossiê Filosofia e Literatura: leituras em tempo de risco (Inconfidentia v. 6, n. 11)

A nossa constatação é que estamos diante de um risco praticamente inevitável que toca a nossa existência e que traz consequências sérias para a filosofia: a questão do “neutro” na linguagem. No caso de minha morte, a palavra seria capaz de me devolver o ser? Afinal, qual o lugar da palavra?

Se a filosofia (da linguagem) encontra dificuldade com a palavra “ser”, o que a literatura faz para poder existir é uma reivindicação pelo direito à morte. Neste sentido, a literatura se manifesta na sua inquietude, na sua quase des-razão, ou mesmo, na insensatez diante da liberdade humana. Eis o sentido da “estranheza” literária que nos interessa e que se aproxima do pensamento filosófico. É o que veremos na publicação deste dossiê intitulado “Filosofia e Literatura: leituras em tempo de risco”.

A iniciativa do Dossiê “Filosofia e Literatura” tem duas procedências: uma que remonta o mês de agosto de 2019, por iniciativa do Prof. Edvaldo Antonio de Melo da qual nasceu a parceria entre a Faculdade Dom Luciano Mendes (FDLM) e o Museu Casa Alphonsus de Guimaraens, em Mariana – MG. Além da visita mediada, que era a atividade ofertada pelo Museu, o tempo foi organizado de tal modo que os discentes de filosofia tivessem a oportunidade de realizar uma apresentação a partir do conteúdo de seu programa de estudo, a saber, o amor e a morte em Montaigne e Nietzsche.

A segunda experiência marcante desse período foi a do Círculo de Leitura criado pela Prof. Dra. Cristiane Pieterzack, em março de 2020, intitulado “Leituras em tempo de risco”, que recolheu vários pesquisadores da filosofia e da literatura, com o objetivo de encontrar na leitura uma “terapia de vida”, um modo de manter vivos os corpos e as mentes no contexto da pandemia causada pela Covid-19. Nos encontros, vários autores foram sendo revisitados através da leitura atenta e das experiências partilhadas.

Naquele contexto, Lilia Schwarcz, colunista do Nexo Jornal[1], referindo-se ao famoso conto “O alienista” (1881) de Machado de Assis, afirmou: “Muitas vezes a realidade copia a ficção, e não contrário”, e – continua Lilia Schwarcz – “a literatura […] não se comporta como ‘produto’ de sua época. Na verdade, ajuda a ‘produzir’ a realidade que pretende apenas copiar”.

Embasado nas palavras citadas acima, este Dossiê “Filosofia e Literatura” entende que, em tempos de crise, a literatura é e continua sendo ainda mais necessária. O livro deve se tornar uma companhia. Abrir um livro torna-se um modo para não se isolar, um meio que nos permite viajar no tempo, superando as circunstâncias do espaço. Neste sentido, pensamos na relação entre filosofia e literatura não simplesmente como duas realidades diferentes, mas como espaços da respiração. Respiramos com a leitura tanto da literatura quanto da filosofia, justamente porque nos interessa não somente a descrição de um “louco”, mas dar voz e vez à loucura que nos habita. Não nos interessa somente a descrição do “conto”, para citar Machado de Assis, mas também a narrativa que nos atravessa e nos faz reinventar a própria vida, na cidade ou no campo, sobretudo, dentro de casa, a partir de nós mesmos, depois de procurar tudo em nome da “ciência”.

[1] Texto disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/colunistas/autor/Lilia-Schwarcz>. Acesso em: 04 fev. 2022.

 


Número 11

Apresentação do Dossiê

Memórias de Adriano e o paradoxo da literatura, por Cristiane Pieterzack

Poesia e vida civil em Giácomo Leopardi: do hino à nação à crise dos valores humanos, por Taís da Silva Brasil

Alguns aspectos da relação entre psicanálise, literatura e filosofia, por José Pereira da Silva

A representação da morte na poesia de Aphonsus de Guimaraens, por Ana Cláudia Rôla Santos

Do nome de Deus ao dom de si: o caminho espiritual de Etty Hillesum, por Diego Fragoso Pereira

O risco da escritura como espaço da transgressão segundo Maurice Blanchot, por Edvaldo Antonio de Melo

O Búfalo, de Clarice Lispector: uma leitura nietzschiana, por Amanda Lopes de Freitas

Resenha

A carne, Júlio Ribeiro, por Nillo da Silva Neto

Volume Completo